27 julho 2006

Caipira...

Semo memo i num neguemo...rs

Finá de ato

Adispôs de tanto amor
De tanto cheiro cheiroso
De tanto beijo gostoso, nós briguemos
Foi uma briga fatá; eu disse: cabou-se!
Ele disse: cabou-se!
E nós dois fiquemos mudo, sem vontade de falá.
Xinguemos, sim, nós se xinguemos
Como se pode axingá:
- Ô, mandinga de sapo seco!
- Ô baba de cururu!
- Tu fica no Norte
Que eu vô pru sul
Não quero te ver nem pintado de carvão
Lá no fundo do quintá
E se eu contigo sonhar
Acordo e rezo o Creio em Deus Pai
Pru modi não me assombrá.
É... o Brasil é muito grande
Bem pode nos separar!

Eu engoli um salucio
Ele, engoliu bem uns quatro,
Larguemo o pé pelo mato
Passou-se tanto tempo
Que nem é bom rescordar...

Onti, nós si encotremus
Nenhum tentô disfarçá
Eu parti pra riba dele
Cum um fogo aceso nu oiá
Que se num fosse um cabra de osso
Tava aqui dois pedaço.

Foi tanto cheiro cheiroso...
Foi tanto beijo gostoso...
Acontece nós si alembremos
O Brasil... é tão pequeno
Nem pode nus separá!


Texto original de autor desconhecido. Adaptação de Gertrudes da Silva Jimenez Vargas.

E quem é que não gosta de uma caipirinha???...rs


22 julho 2006

Como um rio...

Ser capaz, como um rio
que leva sozinho
a canoa que se cansa,
de servir de caminho
para a esperança.
E de lavar do límpido
a mágoa da mancha,
como o rio que leva,
e lava.

Crescer para entregar
na distância calada
um poder de canção
como o rio decifra
o segredo do chão.

Se tempo é de descer,
reter o dom da força
sem deixar de seguir.
E até mesmo sumir
para, subterrâneo,
aprender a voltar
e cumprir, no seu curso,
o ofício de amar.

Como um rio, aceitar
essas súbitas ondas
feitas de águas impuras
que afloram a escondida
verdade nas funduras.

Como um rio, que nasce
de outros, saber seguir
junto com outros sendo
e noutros se prolongando
e construir o encontro
com as águas grandes
do oceano sem fim.

Mudar em movimento,
mas sem deixar de ser
o mesmo ser que muda.
Como um rio.

Thiago de Mello

17 julho 2006

De volta ao planeta dos macacos...

Empoçada de instantes, cresce a noite
Descosendo as falas. Um poema entre-muros
Quer nascer, de carne jubilosa
E longo corpo escuro. Pergunto-me
Se a perfeição não seria o não dizer
E deixar aquietadas as palavras
Nos noturnos desvãos. Um poema pulsante
Ainda que imperfeito quer nascer.

Estendo sobre a mesa o grande corpo
Envolto na sua bruma. Expiro amor e ar
Sobre suas ventas. Nasce intensa
E luzente a minha cria
No azulecer de tinta e à luz do dia.
Hilda Hilst

Não tenho criado nada por conta de vários afazeres do dia-a-dia, mas não posso deixar de atualizar este meu cantinho e compartilhar com vocês a embriaguez amorosa em que me encontro, então seleciono aqui belos poemas que falarão por mim...beijos aos que passam e tenham lindos dias...

Soneto puro

Fique o amor onde está; seu movimento
nas equações marítimas se inspire
para que, feito o mar, não se retire
das verdes áreas de seu vão lamento.

Seja o amor como a vaga ao vago intento
de ser colhida em mãos; nela se mire
e, fiel ao seu fulcro, não admire
as enganosas rotações do vento.

Como o centro de tudo, não se afaste
da razão de si mesmo, e se contente
em luzir para o lume que o ensolara.

Seja o amor como o tempo — não se gaste
e, se gasto, renasça, noite clara
que acolhe a treva, e é clara novamente.

Ledo Ivo

03 julho 2006

Possível poesia...


Encantando como sempre, José Saramago num dos textos encontrados no livro Possíveis Poesias:

Espaço curvo e finito
Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças e ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe, um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.

Desejo que a semana voe, pois vem aí alguns merecidos dias de descanso.